“Chegou a hora de refundar o Brasil”, diz Flávio Rocha, dono da Riachuelo

Empresário lança carta-manifesto em defesa do livre mercado e da participação dos líderes das empresas numa campanha pela moralização e o crescimento da economia

 

São Paulo — Às vésperas do julgamento do ex-presidente Lula, marcada para esta quarta-feira, a grande notícia no meio político e econômico tem sido a repercussão da carta-manifesto elaborada pelo pernambucano Flávio Rocha, dono da rede varejista Riachuelo, e endossada por outros 12 empresários de grandes empresas. Em declaração aberta, feita num evento corporativo em Nova York, o executivo criticou os governos petistas, defendeu o livre mercado e convocou o setor produtivo a participar de forma mais ativa da política nacional. Como líder de uma das maiores companhias de moda do Brasil, com faturamento de R$ 4,2 bilhões em 2017, e cada vez mais envolvido nos debates políticos, Rocha assumiu protagonismo no meio empresarial brasileiro.

Seus discursos adotaram o tom de duras críticas contra o loteamento das estatais e o exacerbado intervencionismo do governo no dia a dia das empresas. “Os empresários estão sufocados e não suportam mais o peso do Estado nas costas”, afirma Rocha. Nesta entrevista, ele fala dos motivos que o levaram a redigir a carta-manifesto, analisa o quadro eleitoral e as perspectivas para o país, ainda sob efeitos de uma das maiores crises políticas, institucionais e econômicas da história.

O que o motivou a lançar a carta-manifesto e por que ela foi apresentada somente agora, em ano eleitoral?
Lancei a carta-manifesto porque a modesta recuperação da economia não nos pode fazer esquecer de tudo que nos levou a essa situação. Os últimos 15 anos foram terríveis, com uma quadrilha saqueando o país e enriquecendo os membros do bando. Agora é momento apropriado.

Por que o manifesto foi batizado de “Brasil 200 Anos”?
O manifesto recebeu esse nome porque o país completará dois séculos de independência em 2022, quando se encerra o mandato do governo que será escolhido nesta eleição. Então, 2022 se iniciará em 2018. Sabemos que não será possível consertar tudo em quatro anos, mas será possível fazer muita coisa. Chegou a hora de refundar o Brasil.

Como o senhor analisa o quadro eleitoral, com uma disputa que tende a ser a mais acirrada da história democrática do país?
Não é possível ver que o líder das pesquisas de intenção de voto seja o maior responsável pela crise e um criminoso condenado a quase 10 anos de prisão? A mensagem que passa é que o brasileiro aprova a roubalheira. Não é possível que a corrupção e a crise não tenham deixado uma lição. Não acredito nisso.

A conjuntura melhorou nos últimos meses?
Sim, mas será preciso dar continuidade às reformas, principalmente. Depois da reforma trabalhista, temos de apoiar as outras reformas, como a da Previdência e a tributária. Ainda existe uma insegurança generalizada em razão da grande impopularidade do governo de Michel Temer, mas já está provado que as reformas não são do governo, são da sociedade. Essa década que nós passamos não foi uma década perdida, foi um período de aprendizado.

Se o ambiente está melhorando, por que o senhor demonstra tanta preocupação com os rumos da economia?

Porque ainda existe muito a ser feito. Há alguns dias, o rebaixamento do rating do Brasil pela Standard & Poor’s veio para nos lembrar de que ainda temos uma economia deficitária e mais de 12 milhões de trabalhadores desocupados. Isso é triste e preocupante.

O senhor confia na equipe econômica?
Confio muito. Henrique Meirelles, no Ministério da Fazenda, e Ilan Goldfajn, na presidência do Banco Central, operaram autêntico milagre econômico. Quem poderia imaginar que, um ano depois de uma inflação acima de dois dígitos, a taxa estaria tão baixa? Nem os mais otimistas previam que a Selic despencaria. Isso sem falar do crescimento dos índices de confiança, o reaquecimento das vendas do varejo, entre muitos outros dados positivos. O ideário que rege o país hoje está correto.

O sr. espera que o Brasil seja um país melhor, em termos políticos e econômicos, a partir dos resultados da próxima eleição?
Acredito que sim. Nos últimos anos, o inchaço desmesurado do Estado tirou a competitividade do setor produtivo, estrangulou as empresas. Como dizem lá no Nordeste, no Brasil, o carrapato ficou maior do que o boi. O Estado, hipertrofiado e mal administrado, passou a responder por cerca de 50% do PIB. Com isso, criou-se um ambiente tóxico para o setor empresarial, que gera emprego e renda. Portanto, tenho plena convicção de que teremos um forte crescimento assim que a competitividade for restaurada.

Como o sr. avalia a liderança de Lula e Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto?
Essa liderança é transitória, temporária. O Brasil é um país de memória curta, mas percebo que existe uma real transformação na cabeça do eleitor, que é a base de toda mudança necessária. Os eleitores aprenderam com os erros dos governos petistas. Hoje é quase um consenso que o Estado interventor mais atrapalha do que ajuda.

Muitos especialistas dizem que a próxima eleição também poderá ser favorável aos chamados “outsiders”, pessoas sem nenhuma ou pouca conexão com o ambiente político. O sr. concorda?
O próximo presidente ainda não mostrou o rosto. Nos próximos meses, ele surgirá. Acredito que o próximo governante da nação será um liberal reformista, um presidente comprometido com a prosperidade, com a defesa da democracia, da Constituição e do livre mercado. Chega do modelo de capitalismo de partido. Chega de partidos se apropriando de empresas, de cargos públicos e diretorias.

Como está o desempenho da Riachuelo diante do cenário de recuperação da economia?
Estamos muito bem. O ano, como um todo, se mostrou muito positivo. Registramos no primeiro semestre o melhor balanço em 70 anos de existência. No terceiro trimestre, nosso crescimento chegou a quase 200%. Então, a restauração da economia é real e, com base em nossos números, mostra muito vigor. Infelizmente, as pequenos empresas do varejo foram as mais afetadas pela crise. Foram fechadas mais de 200 mil lojas entre 2015 e 2016. Uma verdadeira carnificina.

Qual foi a estratégia para crescer em plena recessão?

Tivemos que aplicar uma transformação em nosso modelo de negócio. As várias divisões do grupo atuavam como empresas separadas. Fizemos uma intensa integração. Com isso, ganhamos muita eficiência. Posso afirmar que hoje temos a melhor estrutura operacional da história.

A forte concorrência no setor de fast-fashion no Brasil, com C&A, Zara, Marisa, Renner, Forever 21 e H&M, entre outras marcas, teria levado esse mercado à saturação?
Não, de jeito nenhum. O fast-fashion significa criar sinergias entre os elos da cadeia, unindo fabricantes, confeccionistas, tecelagens e redes de varejo em grandes unidades. Um sistema só. Esse modelo não satura. O modelo da Riachuelo traz, de fato, uma integração total das partes envolvidas, indo além de concorrentes.

A nova legislação trabalhista tende a reduzir os processos do setor têxtil com a Justiça?

A reforma trabalhista foi essencial para ajudar o Brasil a sair das trevas. Não sou eu que digo isso. Segundo estudo do Banco Mundial, a modernização da lei trabalhista pode fazer o Brasil subir 31 degraus no ranking global de competitividade. É humilhante ocupar o centésimo vigésimo lugar. Com uma regulação arcaica e inapropriada para os tempos atuais, o cerco trabalhista tirou a competitividade do setor produtivo e desencorajou milhões, talvez bilhões, em novos investimentos. A lei era totalmente anacrônica, elaborada nos tempos de Getúlio Vargas.

Qual foi o erro do setor empresarial nesse contexto?
Acredito que a elite empresarial do Brasil, inclusive eu, não desempenhou um papel de liderança e protagonismo necessário para fazer do Brasil um lugar mais justo e livre. Uma ala do empresariado se tornou sócia do saqueamento do Estado. A omissão cobrou uma conta cara. Agora, temos de assumir nosso papel e ajudar a reerguer o país.

Como isso pode ser feito?
Como eu disse no manifesto: os empresários e empreendedores do país devem ser os guardiões mais intransigentes da competitividade e da liberdade, pré-requisitos para a criação de riqueza que move a economia e a sociedade no caminho da prosperidade e da verdadeira justiça social, com autonomia, dignidade e oportunidades para todos. Chegou a hora de pararmos de ser parte do problema e virarmos parte da solução.

“Chega de partidos se apropriando de empresas, de cargos públicos e diretorias”

“Uma ala do empresariado se tornou sócia do saqueamento do Estado. A omissão cobrou uma conta cara”

Manifesto

Principais trechos da carta que embasa o movimento criado por Flávio Rocha

» Gestão petista

“Não há nada de casual na crise brasileira. Desde 2009, quando nasceu a famigerada e insana ‘Nova Matriz Econômica’, o Brasil foi jogado num buraco do qual ainda levaremos muitos anos para sair. Foram quase 15 anos de uma farra de gastos públicos e créditos subsidiados para os amigos do rei”

» Peso do Estado
“O Brasil hoje não tem um governo, é o governo que tem um país que vive para sustentar sua gastança, seu desperdício, seu endividamento, seus ralos bilionários de corrupção e clientelismo, suas regulações insanas, seu intervencionismo retrógrado, sua aversão ao liberalismo e ao empreendedorismo. É preciso dar um basta.”

» Agenda liberal
“O livre mercado não é apenas a melhor arma contra a pobreza, é a única. Chegou a hora de uma nova independência: é preciso tirar o Estado das costas da sociedade, do cidadão, dos empreendedores, que estão sufocados e não aguentam mais seu peso. Chegou o momento da independência de cada um de nós das garras governamentais”

» Futuro
“Peço a todos vocês que participem do Brasil 200 anos com sugestões, propostas, ideias e muito mais. O Brasil 200 só tem um dono: o povo brasileiro, cada um de vocês. Podemos nos unir para refundar o Brasil em bases mais livres e solidárias, mais modernas e prósperas para todos. É a minha ideologia, é o meu compromisso, e espero que seja o de vocês também”