Os trabalhadores devem ficar atentos para que a solução de problemas imediatos não se sobreponha aos problemas problemas de médio e longo prazo, como uma possível demissão do emprego.
A Medida Provisória nº 889, de 24 de julho de 2019, foi publicada com o discurso de que auxiliará os trabalhadores em meio à crise econômica e social que se aprofunda no país, mediante a promessa de reaquecimento da economia. Porém, diante da análise que se segue, há sérias dúvidas quanto ao prometido, pois a norma em questão pressupõe o esvaziamento do direito ao FGTS e, com o passar do tempo, o trabalhador brasileiro ficará ainda mais desprotegido.
Criado em 1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foi uma medida encontrada pelo governo à época para justificar a alteração nas regras de estabilidade, bem como garantir ao empregado desligado sem justo motivo uma forma de indenização. Antes da criação do Fundo, o empregado tinha direito à estabilidade decenal, ou seja, só poderia ser dispensado caso praticasse falta grave.
Com a assinatura da MP, o governo cria duas novas modalidades de saque do FGTS, “saque de recursos” e “saque-aniversário”. Nessa última modalidade, a Medida Provisória ainda autoriza a utilização e bloqueio do saldo da conta vinculada para quitar empréstimos de qualquer natureza, o que antes era permitido apenas a empréstimos de cunho imobiliários.
A MP possibilita, de imediato, o “saque de recursos” do FGTS, que deverá ocorrer até 31 de março de 2020, no valor limite de R$ 500,00 por conta vinculada. Hipoteticamente, se um empregado possui três contas vinculadas, poderá sacar até o limite de R$ 1.500,00 (R$ 500,00 por conta).
Para aqueles que possuem conta bancária junto à Caixa Econômica Federal, a liberação será feita de forma automática. Caso o empregado não tenha interesse no recebimento, deverá se dirigir a uma agência do banco, até o dia 30 de abril de 2020, formalizar a discordância e solicitar o estorno do crédito. Para os demais saques estabelecidos na MP, a liberação ocorrerá a partir de setembro de 2020, de acordo com um cronograma que será disponibilizado pela Caixa.
Já o chamado “saque-aniversário” é uma faculdade do empregado e consiste na liberação dos valores a partir de abril de 2020. Para ter direito nessa modalidade, o empregado deverá se dirigir à Caixa a partir de outubro de 2019 e autorizar a liberação dos valores na referida modalidade. Nesse caso, há cronograma específico para os aniversariantes do primeiro semestre de 2020 já estabelecido na MP.
Vale ainda esclarecer que, caso o empregado faça a opção pelo “saque-aniversário” e venha a ser desligado sem justo motivo, não poderá efetuar o saque de seu FGTS, como a lei previa anteriormente.
Por exemplo, se um empregado nasceu no mês de junho, optar pelo “saque-aniversário” a partir de outubro de 2019 e for desligado no mês de novembro de 2019, apenas poderá sacar a integralidade do valor depositado em agosto de 2020, conforme cronograma estabelecido na MP. E, caso o empregado desista da modalidade “saque-aniversário”, deverá aguardar dois anos a partir da autorização anteriormente dada.
Além disso, na hipótese do “saque-aniversário” é possível o empregado optar pela utilização do crédito de FGTS para alienação ou cessão fiduciária firmados com qualquer instituição financeira. Ou seja, quitar dívidas.
Alerta-se que, apesar de a MP prever a opção para o empregado utilizar o “saque-aniversário” para o pagamento de empréstimos, o Conselho Curador poderá regular o tema e autorizar a penhora de percentual do saldo total existente nas contas vinculadas para quitação de obrigações financeiras.
Portanto, chama a atenção a hipótese de o Conselho Curador poder regulamentar o bloqueio do saldo de FGTS e repasse em favor dos credores. Enquanto o governo fomenta a opção do empregado utilizar anualmente o saldo do FGTS para quitar suas dívidas, adquirir bens, dentre outros, deixa de noticiar que, ao mesmo tempo, o empregado autoriza de forma ampla a regulamentação pelo Conselho quanto ao bloqueio e repasse do FGTS para fins de quitar empréstimos.
Percebe-se, assim, que a essência do FGTS perde todo sentido, pois deixa de ser uma reserva capaz de ajudar o empregado no momento de necessidade, quando desempregado. Ainda mais diante da demora no recebimento, que, no caso acima, se dará mais de um ano após o seu desligamento.
Os trabalhadores devem ter cuidado ao decidir pela modalidade de saque do seu FGTS sem se deixarem seduzir pela justificativa do governo de que o resgate aquecerá a economia. É preciso ficar atento para que a solução de problemas imediatos não se sobressaia aos problemas de médio e longo prazo, como uma possível demissão do emprego.
A opção do “saque-aniversário”, diante dos riscos que comporta, somente valeria a pena para contas com depósitos de baixo valor. O trabalhador deve ter cuidado para examinar o seu caso, diante das ciladas de disponibilizar sua conta para o mercado, com pagamento de dívidas, e ainda ficar sem reservas financeiras na hipótese de perder o emprego.
Outra questão trazida pela MP é a possibilidade de distribuição aos trabalhadores da totalidade do resultado positivo gerado pelo Fundo, que, de forma preliminar, parece ser boa. Contudo, tal distribuição poderá impactar diretamente os programas econômicos financiados pelo FGTS.
O FGTS vai além do direito do trabalhador. O Fundo também é utilizado para financiar políticas públicas, impactando diversos ramos da economia e da qualidade de vida da população. A exemplo de financiamento de obras de infraestrutura, de construção de casas populares, que já lançou programas como o Programa Minha casa, Minha vida, o fomento da carteira de crédito habitacional e saneamento básico (Programa Saneamento para Todos).
Diante dessa análise inicial da Medida Provisória nº 889, verifica-se que muito há que ser analisado e pensando pelo trabalhador ao optar pelo novo modelo imposto pelo governo para saques do FGTS. O que em um primeiro momento pode parecer bom, solucionando problemas momentâneos, poderá ocasionar prejuízos não apenas na esfera individual de cada trabalhador, mas também na espera coletiva, impactando na gestão de políticas públicas sustentadas pelo FGTS.
Fonte: LBS